O contexto costuma ser o mesmo: a oficina, a funilaria, quem sabe até mesmo a latoaria. Mas a frase pode vir tanto do mecânico quanto de seu cliente. Dependendo da situação, ela carrega um tom de brincadeira; dependendo, um toque de enganação. Rebimboca da Parafuseta, Rosqueta da Parafuseta, Mola da Grampola e Arruela da Grapeta.
Expressões típicas do brasileiro e, apesar de sua variedade, todas querem dizer uma mesma coisa: uma ferramenta imaginária. Parece confuso, mas é isso mesmo. Elas são ditas, em suas variações, sempre que alguém não entende l muito de mecânica e precisa se referir a um objeto em especial: na falta da palavra exata, usa a famosa “rebimboca da parafuseta”.
“Estou tentando há dias, mas não consigo entender que parte do carro está fazendo esse rugido. Deve estar vindo da arruela da grapeta”, poderia ser um exemplo. Ou, então, quando o cliente demonstra estar um tanto perdido em relação ao próprio carro quebrado e o mecânico faz uma brincadeirinha: “O seu problema é terminal. Precisaremos trocar a mola de grampola”. O susto é grande e o riso em seguida também.
É simples: a rosqueta da parafuseta é a mola da grampola |DIVULGAÇÃO
Se é fictícia, quem foi que a inventou?
Seja qual for a situação exata, a expressão sempre é encaixada na frase para designar uma peça, real ou fictícia, cujo nome e funções não são conhecidos. E isso não serve apenas para o mundo automobilístico, e sim para quaisquer situações que envolvam outros equipamentos mecanizados – embora ela tenha ganhado um espaço maior dentro do universo dos carros.
A pergunta é complexa, porque as variações da expressão são muitas. Difícil saber como foi que “Mola da Grampola” ou “Arruela da Grapeta” se desenharam ao longo do tempo, e em que lugares do Brasil. A verdade é que elas são modelações da expressão original: “Rebimboca da Parafuseta”, e dessa tem-se uma origem e um norte um pouco mais claros.
A tese é de que ela teria sido dita pela primeira vez na década de 70, em um seriado chamado “Shazan, Xerife & Cia”, e depois em outros comerciais de televisão, até enfim cair de cabeça no gosto popular.
É simples: a rosqueta da parafuseta é a mola da grampola |DIVULGAÇÃO
Shazan, Xerife e Cia
Esse foi um seriado transmitido pela TV Globo de 1972 a 1974. Era assistido por um público supostamente infanto-juvenil primeiramente às 21h00 de quintas-feiras e, mais tarde, às 18h00 de segunda à sexta-feira. O sucesso foi grande.
A história se resumia a uma dupla de inventores mecânicos: Shazan (protagonizado por Paulo José) e Xerife (Flávio Migliaccio). Eram ambos atrapalhados e tinham sonhos grandiosos: queriam percorrer o mundo, ou, em último caso, o Brasil, com sua famosa Camicicleta. Procuravam por emprego e aventuras, mas nunca obtinham êxito em conquistar uma peça mágica que faria com que realizassem seu maior desejo: o de construir uma bicicleta voadora.
Pois bem. A Camicicleta é a chave de toda essa questão. Ela era uma mistura de um caminhão com uma bicicleta, muito colorida e repleta de panos e objetos que são, na verdade, elementos circenses. Acontece que uma de suas peças mais importantes tinha o nome rebimboca da parafuseta!
Criação de um seriado
Esse é o primeiro registro dessas palavras postas juntas assim, e tudo leva a crer que o seriado foi seu inventor. Os episódios, afinal, eram compridos e cada história durava cerca de um mês para se concluir, e tinha uma audiência boa.
Além disso, mais tarde, também houve outras aparições públicas da frase famosa: um filme comercial de TV, de nome Shell Responde, construiu uma cena em seu sétimo fascículo chamado “Oficina e Mecânicos: como escolher?”. Nela, um cliente confuso era enganado pelo mecânico que, com um ar trágico, dizia-lhe que o problema maior em seu carro estava na “rebimboca da parafuseta” – e que isso ia lhe custar caro.
Até hoje a expressão é usada: recentemente, por exemplo, foi o título da coluna da jornalista Mônica de Bolle, no Estadão, e estava nas descrições de um vídeo do canal Porta dos Fundos. Trombar com ela por aí não é assim um grande desafio: o desafio é usá-la sem gerar confusão.
Outras línguas, mesmo fenômeno
Embora a expressão de que estamos falando seja nitidamente brasileira, há outros países em que palavras-gambiarras também são amplamente utilizadas. No inglês, há um exemplo bastante explícito: “Whatchamacallit”, que significa “treco”, “negócio” ou qualquer outra “coisa” desse gênero.
Assim como a frase brasileira, essa palavra também tem uma sonoridade engraçada e é um tanto comprida. Sua tradução mais exata é: “termo usado para se referir a uma pessoa ou coisa cujo nome não se pode lembrar, não se sabe, ou não se quer especificar”.
A sua origem parece bastante mais fácil de se traçar: está nos sons que se pronuncia ao dizê-la em voz alta. “What – cha – ma – call – it”. Ou “What You May Call It?” (para o português, “Como você pode chamar isso?”).
Não é o equivalente à sua versão tupiniquim, porque esta está muito ligada a aparelhos mais tecnológicos, principalmente a motores de carros. Mas ambas podem vir à cabeça sempre que você não souber exatamente o que dizer.
Tudo é treco
O inglês, entretanto, não é a única língua que também tem esse tipo de trunfo. A palavra “cachivache”, em espanhol, designa todos aqueles objetos considerados inúteis – ou que não se sabe como nomear. Costumam ter formas estranhas e seu uso nem sempre é tão claro. Muitas vezes, a utilização do termo se encaixa na descrição de objetos jogados, desarrumados e até danificados.Tudo é treco
Da mesma forma, a palavra “machin”, francesa, também pode ser usada para denegrir a imagem de alguém. Se estiver a passeio pelo país e alguém te chamar de “Monsieur machin chose”, desconfie um pouco do interlocutor: ele está te chamando de sem graça, de uma pessoa mais ou menos. Mas, na verdade, o significado original da palavra é bem parecido com das outras citadas aqui: pode ser “coisa”, “treco” e todas as outras que não especificam neca de pitibiribas.
Para terminar, vamos à nossa última palavra: thingumajig. Em russo, sua grafia é штуковина, как бишь его, o que para nós já é um belo de um palavrão. Mas ela na verdade também é usada para falar de algo cujo nome é esquecido ou desconhecido. (Uma outra tradução de thingumajig é um monstro de cabeça e corpo de mulher e asas e garras de um pássaro, ou uma ave de rapina com rosto de mulher. Mas vamos deixar esse bicho de sete cabeças para um outro texto.)