No mundo das farmácias e dos cuidados com a saúde, um medicamento com mais de um século de existência se destaca, mas não pelos motivos que você poderia imaginar.
Quando aquela dor de cabeça insistente aparece, é comum recorrermos a um analgésico para aliviar o desconforto. No entanto, o que muitos não sabem é que um medicamento, amplamente disponível nas prateleiras das farmácias brasileiras sem necessidade de prescrição médica, é restrito em alguns países. Vamos descobrir por quê.
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A dipirona, um medicamento que atua como analgésico e antitérmico, encontrou seu lugar em casas e bolsas dos brasileiros. Em 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou a comercialização de mais de 215 milhões de doses deste medicamento no Brasil. No entanto, surpreendentemente, alguns países proibiram a venda da dipirona desde a década de 1970.
Nos Estados Unidos e na União Europeia, por exemplo, a comercialização desse medicamento foi vetada devido a uma controvérsia persistente sobre um possível efeito colateral grave. A dipirona foi associada à agranulocitose, uma condição em que a quantidade de certos tipos de células de defesa no sangue diminui drasticamente, o que pode ser potencialmente fatal.
De acordo com a farmacêutica bioquímica Laura Marise, doutora em Biociências e Biotecnologia, a principal suspeita sobre o efeito colateral da dipirona envolve sua interação com uma molécula inflamatória conhecida como COX. A teoria é que a dipirona pode inibir a COX, que possui um subtipo exclusivo do sistema nervoso central que ajuda a aliviar inflamações, febres e dores.
Os primeiros cálculos da associação entre a dipirona e a agranulocitose surgiram em um estudo de 1964, no qual a aminopirina, uma substância quimicamente semelhante à dipirona, foi relacionada a esse efeito em um indivíduo a cada 127 que a consumia. Os autores desse estudo não distinguiram entre essas duas moléculas, assumindo que os resultados eram aplicáveis à dipirona.
A falta de distinção entre as duas substâncias levou à proibição da dipirona nos Estados Unidos em 1977 pela Food and Drug Administration (FDA). Outros países, como Austrália, Japão, Reino Unido e partes da União Europeia, também adotaram medidas semelhantes.
No entanto, nas décadas seguintes, surgiram novas evidências sobre a segurança da dipirona. O Estudo Boston, que englobou dados de 22,2 milhões de pessoas em oito países, encontrou uma frequência extremamente baixa de agranulocitose, com apenas 1,1 caso para cada milhão de indivíduos que usaram a dipirona.
Em alguns países, como Israel, a taxa de agranulocitose foi ainda mais baixa, com um risco de apenas 0,0007% de desenvolver a condição e 0,0002% de mortalidade relacionada ao efeito adverso.
A Suécia, por outro lado, chegou a reintroduzir a dipirona nos anos 1990, mas após detectar 14 casos “possivelmente” relacionados à agranulocitose, voltou a proibir o medicamento em 1999.
Então, por que essa discrepância na proibição? Os especialistas apontam três fatores-chave: a possível presença de alterações genéticas que tornam alguns indivíduos mais suscetíveis à agranulocitose, a prevalência dessas mutações em certas populações dos Estados Unidos e da Europa, e as dosagens do medicamento.
No Brasil, estudos realizados entre 2002 e 2005 revelaram uma taxa de agranulocitose de 0,38 casos por milhão de habitantes/ano, com maior incidência em mulheres, crianças e idosos. Além disso, um Painel Internacional de Avaliação de Segurança da Dipirona realizado em 2001 concluiu que, apesar das preocupações iniciais, a eficácia da dipirona como analgésicos e antitérmicos é inquestionável e os riscos associados ao seu uso são baixos e comparáveis ou menores que os de outros medicamentos disponíveis no mercado.
A Anvisa destaca que, desde então, não foram identificados novos riscos relacionados à segurança da dipirona. Portanto, no Brasil, a dipirona continua a ser comercializada e é considerada extremamente segura para uso, proporcionando alívio para muitos brasileiros que recorrem a ela para combater dores e febres do dia a dia.