O Procurador Geral de Justiça (PGJ) do Pará, Gilberto Valente Martins, é alvo de mais uma denúncia ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o órgão que fiscaliza a atuação de todos os procuradores e promotores do País. A acusação é de abuso de poder, improbidade administrativa e infração funcional: ele teria ajudado a fabricar provas contra a desembargadora aposentada Marneide Merabet, em uma acusação de suposta vendade decisão judicial.
Tudo começou em dezembro de 2011, quando uma advogada teria ido ao gabinete de Merabet, para tratar de um processo, e a desembargadora teria lhe dito para procurar Paulo David, porque ele resolveria o problema. A advogada entendeu que se tratava de um pedido de propina e procurou uma prima, que é juíza, que telefonou para Gilberto Martins. Na época, ele era conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas se encontrava em Portugal.
Gilberto teria dito, então, que Merabet já era investigada por casos semelhantes. Também teria induzido a advogada a marcar um encontro com Paulo David, além de dizer-lhe que procurasse o Geproc. Ele também pediu que um promotor do Geproc fornecesse os equipamentos para que a advogada gravasse a conversa com Paulo David. Ela até obteve uma viatura e um policial militar, para acompanhá-la, e foi instruída como deveria conversar com ele, para obter declarações incriminadoras. No entanto, a conversa não rendeu o esperado. Mesmo assim, Gilberto teria pedido para que ela insistisse, mesmo depois que o processo já nem estava mais com Merabet.
INCONSISTÊNCIAS
O primeiro problema são as inconsistências dessa narrativa. Segundo o advogado Rafael Fecury, que defendeu Merabet, ficou provado que “nunca houve investigação perante o CNJ sobre os fatos do processo”. Ou seja, Gilberto teria mentido à advogada e teria sido essa mentira que também levou o Geproc a fornecer equipamentos para o grampo ilegal.
Outros problemas, tão ou mais graves, são apontados pelo desembargador Leonam Gondim, o relator do processo que inocentou Merabet. Segundo ele, a advogada não trabalhava naquele processo sobre o qual teria ido falar com a desembargadora e não há provas de que realmente esteve no gabinete dela. Pelo contrário: funcionários garantem que ela nunca esteve lá.
Mas o fato mais estranho é que a desembargadora, que teria sugerido a propina, nem sequer forneceu o telefone de Paulo David: a advogada teve de recorrer a colegas tanto para conseguir o telefone dele, quanto para intermediar o encontro, do qual a gravação em vídeo demonstra que ela nem sequer mencionou que estava ali por orientação da mãe dele, dizem os autos processuais.
Desembargador não poupou críticas a Gilberto Martins
No julgamento do processo 0008300-18.2018.8.14.0401, em 12 de novembro do ano passado, o desembargador Leonam Gondim não poupou críticas ao comportamento de Gilberto e do MP-PA. Primeiro, pela ilegalidade de uma investigação contra uma desembargadora, à revelia do STJ, caracterizando usurpação de competência.
Segundo, pelos métodos investigativos em si. É o caso da escuta, que foi preparada com o aparelho do Estado, mas sem autorização judicial, e para pegar Paulo David em flagrante. “Atos assim, viciados, não constituem procedimento válido como meio de prova, pois foi nada mais, nada menos, que uma ação fabricada, e não esperada”, comentou.
Além disso, a advogada declarou “que foi orientada pelo representante ministerial a atrair o corréu (Paulo David), dando a impressão de uma espécie de emboscada(…)”. E mais: a insistência de Gilberto para que ela continuasse a buscar declarações incriminadoras de Paulo David, até orientando-a a demonstrar interesse na transação, mesmo quando o processo já nem estava mais com Merabet, caracteriza aquilo que a Lei chama de “agente provocador” e de “crime impossível”: induz-se alguém a um crime que não poderá ser consumado. “Uma ação naturalmente esperada não tem ilegalidade; mas preparada, como foi, não é legítima. Não foi uma ação controlada e sim construída, e porque não dizer, forjada”,afirmou Leonam.
Nova denúncia foi motivada por reportagem no DIÁRIO
A nova denúncia contra Gilberto Martins foi apresentada ao CNMP em 22 de dezembro do ano passado, pelo cidadão Giovanni Augusto Lira dos Santos. Foi motivada pela reportagem do DIÁRIO, em 18 de novembro, sobre a decisão do TJ-PA que inocentou Merabet. Pede a abertura de procedimento disciplinar contra o atual PGJ.
Segundo Giovanni, o comportamento de Gilberto, naquela investigação, além de imoral, foi um atentado aos princípios da Administração Pública, “incorrendo em ato de improbidade administrativa, previsto na Lei 8.429/92, e em falta disciplinar disposta no artigo 166, VI, da Lei Complementar 057/2006 – Lei Orgânica do Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA)”. Ele observa que Gilberto “movimentou a máquina do Ministério Público do Estado do Pará, por meio do Gaeco (o antigo Geproc), estrutura que deveria ser usada para bem interno da própria instituição ministerial, e sem qualquer autorização judicial, induzindo as partes a produzirem provas ilegais(…)”.
PARCIALIDADE
Critica a “parcialidade evidente” e o desrespeito à Lei do atual PGJ naquela investigação, o que levou à nulidade total do processo, desde a denúncia inicial. E diz que, para além da falta de decoro e dignidade, que acabam por atingir até a imagem do MP-PA, Gilberto “usurpou e onerou a máquina pública para seus interesses particulares”.
Lembra que o PGJ tem o poder de abrir inquéritos e ajuizar ações contra detentores de foro privilegiado, o que inclui o governador, desembargadores, presidentes da Assembleia Legislativa e do Tribunal de Justiça do Estado. E pergunta: “como acreditar no direito a um julgamento justo, sem vícios fabricados e sem a confluência de interesses particulares que transcendem a impessoalidade, aos cargos e entidades do Estado do Pará? Como ser conivente com a manutenção de Procurador Geral de Justiça que claramente não observa o seu regramento máximo que é a Lei e as regras de conduta ética?”.
Afirma, ainda, que Gilberto também cometeu abuso de poder, “causando, para além da ofensa aos princípios administrativos e descumprimento de seus deveres funcionais, o prejuízo a uma cidadã no livre exercício de sua profissão, fato que muito preocupa, tendo em vista que imagina-se a possibilidade de tal abuso de poderio e falta de moralidade, em sua essência, ter eivado de vícios e nulidades absolutas muitos outros processos, gerando instabilidade e insegurança jurídica”.
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