Construída às margens da Baía do Guajará, a Boulevard Castilhos França, no bairro da Campina, não é somente um dos principais corredores viários de Belém, como também é uma parte importante da história da capital. É rodeada de alguns dos cartões-postais de Belém, como o Complexo Ver-o-Peso, Estação das Docas e o próprio Centro Comercial.
A área é importante para a economia local, uma vez que proporciona a geração de emprego e renda para muita gente, reunindo um público bastante diversificado, de empresários a trabalhadores informais.
A Prefeitura de Belém entregou em novembro passado a obra do Boulevard da Gastronomia, com a intenção de transformar aquele espaço, que envolve a Praça dos Estivadores e um calçadão, em um grande corredor gastronômico. A ideia do projeto partiu de empresários que já atuam no local, ao perceberem que a área poderia ser melhor aproveitada, inclusive, para movimentar ainda mais a economia por meio da gastronomia e ações culturais.
É o que explica o empresário Nazareno Alves, 53, que há 12 anos revitalizou um dos casarões antigos da área para estruturar o restaurante onde comercializa pratos variados acompanhados de açaí. Nazareno mantinha o restaurante dentro da Estação das Docas, que é bem próximo ao local. Até que um dia se deparou com um anúncio de aluguel na fachada do casarão e resolveu organizar aquele espaço para transformá-lo no seu empreendimento.
“Vi isso aqui tudo vazio, os casarões abandonados e uma placa de aluga-se. Fui o primeiro a entrar no Boulevard da Gastronomia, no ramo de alimentação. Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida porque realmente é um casarão grande, de 120 metros quadrados. A gente escreveu esse projeto (do Boulevard), entregou para a prefeitura na gestão passada, não foi possível fazer. Entregamos na gestão do Edmilson e fizeram. Aos finais de semana, agora, tem samba, pagode, grupo de carimbó. Realmente ficou muito legal”, declara.
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O próximo passo do projeto, segundo Nazareno, é fazer uma cobertura ao longo de 400 metros do calçadão. “Esse bar aqui da esquina é um depósito que vai virar um grande bar temático. E a gente pegou mais dois prédios aqui onde vamos montar outros negócios. Cada casarão revitalizado é um presente que Belém ganha”, acrescenta Nazareno.
Dezenas de trabalhadores garantem o sustento de suas respectivas famílias a partir do trabalho feito no Complexo Ver-o-Peso. No Mercado de Carne, por exemplo, há pessoas apaixonadas por suas atividades. É o caso de Marlene Galeno, 49, que é funcionária de um box de café há 10 anos. Ela migrou do serviço de empregada doméstica para trabalhar no local.
“A minha cunhada me chamou para vir para cá. Chego aqui às 5h30 e essa hora já tem movimento aqui, principalmente feirantes. É muito diferente de onde eu trabalhava antes, ficava isolada no apartamento. E aqui trabalho com público de todas as idades. É movimento dia e noite”, afirma.
Quando alguém pergunta para a erveira Paula Negrão, 34, há quanto ela atua na feira do Ver-o-Peso, ela responde que é a vida toda, já que desde muito pequena ela acompanhava a mãe, Edileia Barros, 58, que atua há 40 anos no local. Há pouco mais de dois meses, Paula decidiu retornar para a atividade depois de dedicar bastante tempo somente à família.
Para ela, não tem como falar da Boulevard Castilhos França sem lembrar do Círio de Nossa Senhora de Nazaré, uma vez que a via faz parte da grande procissão religiosa, no segundo domingo de outubro. E foi exatamente no período do Círio que ela resolveu voltar a trabalhar no local.
“A minha infância foi andar por aqui, conversar com os feirantes, era tio para cá e para lá. Fiquei grávida aos 17 anos e parei de trabalhar, casei e agora voltei. Voltar para cá na véspera do Círio foi uma virada de chave e agora não saio mais daqui. Venho todo santo dia. A gente fica com necessidade e acostumado de vir para o Ver-o-Peso. Já tentei fazer outras coisas, mas não é para mim. O meu negócio é gente, gosto de trabalhar com o público. É a minha paixão”, disse. “Quando eu era criança, ficava sentada aqui, onde era a feira velha, ficava passando todos aqueles ônibus lotados. E lembro do Círio, né. Não tem como falar do Boulevard sem falar no Círio com toda aquela movimentação”.
Contrariando o que alguns ainda pensam, a avenida Boulevard Castilhos França não foi um boulevard parisiense, explica a historiadora Márcia Cristina Nunes. “Foi denominado de Boulevard-Cais. Um boulevard que convergia todo seu olhar a Baía do Guajará, onde nele se alocou o porto da cidade. E continuava a ser local de entrada e saída de pessoas e das mais diversas mercadorias. O glamour desse boulevard-cais era diferente. Saem as vitrines chiques com seus espelhos e vidros e entram em cena o porto e os mercados da cidade – o Mercado de Peixe e o Mercado de Carne, um empório comercial”, conta.
A historiadora explica que o presidente da Província do Grão-Pará, Jerônimo Francisco Coelho, em 1848, almejava que a cidade – além de ser um importante entreposto comercial da região Norte do Brasil – necessitava se edificar, desenvolver, ser vista através de um conjunto de edificações. E, para isso, a obra do cais se fazia necessária. Assim, a rua se conectou com o rio, transformando-a na porta de entrada da cidade.
“Da chegada de estrangeiros, dos estivadores, dos carregadores de produtos, que eram importados e exportados, dos serviços de trabalhadores estrangeiros que traziam a nova técnica de edificação a Belém. Os mercados e as casas comerciais fazem dele uma ‘praça’ onde as relações sociais são produzidas tendo por referência o dinheiro, elo essencial entre os indivíduos modernos”.
Também transitavam pela rua pavimentada de paralelepípedos, ex-escravos; as classes trabalhadoras; mão de obra importada para os serviços de infraestrutura da cidade; empregadas domésticas que iam às compras; portugueses com cestos na cabeça; vendedoras de cheiro; seringueiros e pessoas muito bem vestidas à época, já que as casas financistas e aviadoras situavam-se neste circuito.
“Por conta das atividades comerciais e portuárias, se tornou um local de circulação intensa da diversidade da população que circulava e de mercadorias, porque tinham casas de tudo ali: casa de consignações, casas de ferragens, exportadores, importadores, hotéis, etc. todos misturados e convivendo da mesma forma”.
Antes de ser conhecida como Boulevard Castilhos França, a avenida foi anteriormente denominada como Rua Nova do Imperador. De acordo com a historiadora, no local encontravam-se casas e edificações ladeadas apenas no lado esquerdo e uma série de trapiches locados às margens da baía do Guajará após a abertura da navegação na Amazônia. “Nessa época, existiam apenas dois bairros: o da Cidade e o da Campina”, disse.
“Com o fim da monarquia, entrou em cena a República, a partir de 1889, quando fazia-se necessária a construção de um porto moderno, a qual foi realizada através de concorrência pública pelo Governo Federal: a primeira em 1902 e a segunda em 1906 vencida por Percival Farquhar. Paralela a construção do novo porto, aconteceu a abertura do “boulevard” criado na intendência de Antônio Lemos na reorganização do espaço, o Boulevard da República”, explica.
Com forte influência de ‘Art Noveau’, a Boulevard Castilhos França tem aproximadamente 756,18m de comprimento e inicia na antiga travessa 15 de Agosto, hoje avenida Presidente Vargas, com 17m de largura, e termina com 10,67 de largura na travessa da Companhia, hoje avenida Portugal.
DOL
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