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Há 50 anos, a ciência dá o norte ao campo

No final da década de 1960 e início de 1970, o mundo vivenciava um cenário marcado por um volume de produção de alimentos que não acompanhava a tendência de crescimento populacional. Mais especificamente no Brasil, um país à época quase totalmente dependente da importação de alimentos, os estudos que circulavam entre a comunidade científica alertavam que o país não se sustentaria por mais de meia década com capacidade de alimentar sua própria população. Passados 50 anos das projeções, o país hoje se consolida como uma potência agropecuária e, entre as muitas transformações ocorridas ao longo desses anos para que o atual cenário se impusesse, está a criação da instituição que revolucionou a modelação da agropecuária brasileira, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Diante da realidade atual vivenciada na produção agropecuária no Brasil é até difícil imaginar, mas há cerca de cinco décadas já houve um tempo em que o brasileiro precisaria importar carne de países como Estados Unidos ou Argentina se quisesse comer um bom churrasco. Cenário que não era muito diferente em relação a culturas fundamentais da agricultura, como a produção de feijão ou arroz, por exemplo. Todo esse cenário foi imperativo para que se pensasse a criação de uma instituição que criasse condições para o desenvolvimento de uma agropecuária tropical.

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“Na época o Brasil concentrava, ainda, aqueles mesmos produtos da época colonial, o café e a cana. E a partir daí, enquanto nação, o Governo Brasileiro reconheceu a necessidade urgente de se criar uma instituição que pensasse uma pesquisa genuinamente tropical porque a nossa vulnerabilidade estava muito relacionada, também, à ausência de conhecimento da agropecuária tropical. Aí surge a Embrapa, em 1973”, contextualiza o chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental, Walkymario Lemos. “É claro que as conquistas não são mérito exclusivo da Embrapa, mas ela foi, talvez, a grande locomotiva desse grande sistema que é o Sistema Brasileiro de Pesquisa Agropecuária, que tem junto diferentes outras instituições de pesquisa, universidades, agricultores e pecuaristas que se colocaram à disposição da ciência, além de governos de diferentes níveis”.

A partir do protagonismo assumido pela empresa pública, a revolução vivenciada na produção agropecuária brasileira fica evidente. Passadas cinco décadas, o Brasil passa de um cenário de alta dependência alimentar para um cenário de segurança alimentar e, mais do que isso, de ofertador de alimentos para o mundo. Atualmente, o país exporta para mais de 200 países e os dados demonstram que quase 1 bilhão de pessoas se alimentam de produtos oriundos dessa agropecuária. “Nós acreditamos muito fortemente que isso é reflexo de uma ciência de qualidade e pública no agro, dentro desse grande cenário de parcerias inclusive com a iniciativa privada”, pontua Walkymario.

ENTREGAS

Entre as entregas realizadas pela empresa ao longo das décadas, uma das principais está relacionada ao domínio do conhecimento detalhado sobre o solo brasileiro, o que possibilitou que se desenvolvessem tecnologias de cultivos adaptadas às características de cada região brasileira. Entre os exemplos mais evidentes do impacto gerado por esse conhecimento está o desenvolvimento da produção no Cerrado brasileiro. Nas décadas de 60 e 70, o Cerrado era tido como um semideserto, porém, com o conhecimento sobre os solos e com o domínio das tecnologias tropicais, foi possível transformar o bioma em um grande ‘celeiro’ produtor de alimentos, sobretudo de proteína animal.

Walkymario Lemos diz que ciência de qualidade é fundamental |Divulgação

Fruto do investimento em uma ciência genuinamente tropical. “E como isso foi possível?”, pergunta o chefe-geral da Embrapa Amazônia Oriental. “Ao ser criada, a Embrapa foi muito ousada em qualificar os seus jovens talentos contratados. Um número muito expressivo de pesquisadores foi encaminhado para se qualificar, em mestrado e doutorado, em instituições de referência no mundo e a partir daí aumentar o seu networking e o seu conhecimento e, naturalmente, transformar o conhecimento adquirido lá em um conhecimento tropical”.

A partir desse conhecimento, também outras entregas foram possíveis, consolidando as condições necessárias para que a produção de alimentos no país se expandisse e se consolidasse. Através das pesquisas que levaram à adaptação de espécies exóticas à realidade local, o Brasil que não produzia soja passou à configuração atual de maior produtor de soja do mundo. O mesmo raciocínio serviu para a produção de uma série de outras espécies vegetais e mesmo para raças de animais.

Hoje, a Embrapa é referencial regional e nacional em pesquisas relacionadas ao campo |Divulgação A instituição desenvolve a integração entre lavoura, pecuária e floresta |Divulgação

“Além de você ampliar o conhecimento tropical, se melhoraram boas práticas agropecuárias para torná-las mais produtivas e eficientes. Esse processo que a soja passou na década de 80, estamos passando com o trigo agora”, adianta Walkymario. “O único alimento que o Brasil ainda importa é o trigo e eu digo ‘ainda’ porque a projeção era de que em cinco ou dez anos nós seríamos autossuficientes, e a gente já está falando em dois anos. A Embrapa está avançando muito no conhecimento do trigo tropical, trigo no Cerrado”.

Walkymario explica que, por se desenvolver em áreas mais frias, a produção de trigo no Brasil se concentrava nos Estados do Sul do país, porém, com a pesquisa científica já é possível pensar na produção do grão em outras regiões do país. “A gente já tem material genético que, inclusive, já vem sendo produzido no Cerrado mineiro, no Cerrado da Bahia, já temos testes no Pará, temos testes em Roraima e a gente acredita que em, muito pouco tempo, a gente vai ultrapassar a última barreira que existe, que é o trigo. Então, o Brasil vai ser autossuficiente de tudo, praticamente”.

No trilhar das décadas, Walkymario também aponta que a Embrapa apresentou uma contribuição muito importante para o desenvolvimento de sistemas sustentáveis, em que o foco não está apenas em produzir, mas produzir com qualidade. Sistemas que fossem ecologicamente, socialmente e economicamente eficientes, e que se fortaleceram muito na década de 90. É onde se destacam os conjuntos de tecnologias de sistemas sustentáveis, sistemas de base ecológica, sistema Integração Lavoura Pecuária e Floresta. Tecnologias que se preocupam com a questão ambiental, com a mitigação de efeitos que possam comprometer as questões climáticas.

São diversas pesquisas relacionadas à alimentação |Divulgação

Ainda nessa linha, mais recentemente a Embrapa vem contribuindo com a incorporação de inovações para a linha do bioinsumo. “De que forma essas novas ferramentas tecnológicas ajudam a transformar uma riqueza biológica em uma riqueza científica, que é naturalmente econômica e social? Esse olhar da bioeconomia também tem ganhado muita força como uma possibilidade de agregar valor a essa riqueza que se tem, mas também como uma possibilidade muito grande de gerar produtos a partir disso, fármacos, energia, outros alimentos, cosméticos”, considera. “Outra atuação recente diz respeito à contribuição da Embrapa, enquanto corporação, com a conectividade no agro. De que forma, hoje, a gente vem discutindo inovações para que o sistema agropecuário seja mais automatizado e interconectado? Hoje já se fala em uma agricultura 4.0, agricultura 5.0 e isso é muito baseado na conectividade”.

Também nas questões florestais, a Embrapa desenvolve um papel importante no apoio a políticas públicas, à geração de indicadores para tomada de decisões em todas as perspectivas do conhecimento florestal, desde o conhecimento da floresta primária e as suas relações ecológicas e de biodiversidade, até o conhecimento para floresta manejada, plantada. Neste ponto, inclusive, há um grande destaque para a atuação da Embrapa na Amazônia Oriental, onde estudos relacionados a manejos florestais comunitários, onde há a inclusão das comunidades extrativistas ou tradicionais.

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É claro que as conquistas não são mérito exclusivo da Embrapa, mas ela foi, talvez, a grande locomotiva desse grande sistema que é o Sistema Brasileiro de Pesquisa Agropecuária” Walkymário Lemos, chefe-geral da Embrapa

Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Alfredo Homma lembra que a ideia da criação da Embrapa iniciou em 1972, durante a gestão do Ministro da Agricultura Luís Fernando Cirne Lima e do presidente Garrastazu Médici (1905-1985), porém, a consolidação da empresa veio apenas em 26 de abril de 1973. À época, o pesquisador aponta que o mundo vivia “um fantasma do malthusiano, decorrente do aumento populacional e a produção de alimentos não acompanhava este crescimento, com crises de fome na África e na Ásia”.

Ao mesmo tempo, o mundo acompanhava o sucesso da Revolução Verde liderada por Norman Borlaug (1914-2009), que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1970 pelo aumento da produção de alimentos via aumento da produtividade. Já a Conferência de Estocolmo de 1972 dava sinais de que a questão ambiental precisava ser considerada no contexto produtivo. “O cenário nacional de importações de alimentos, alguns na sua totalidade, como trigo, leite em pó, etc., insuficiência no abastecimento de arroz, feijão, milho, óleos vegetais para cozinha, alto custo de vida, entre outros, levaram a decisão de modificar a agricultura de baixa produtividade dominante no país. Na época a produção de grãos no país era inferior a 40 milhões de toneladas e estamos produzindo hoje mais de 312 milhões toneladas”, aponta.

A construção do prédio sede. Felisberto Camargo sangrando seringueira na presença do Ministro da agricultura de Vargas, senador João Cleofhas |Divulgação |Divulgação

Constituindo-se como uma evolução do Instituto Agronômico do Norte (IAN), criado em 1939 pelo presidente Getúlio Vargas, a Embrapa Amazônia Oriental se consolidou na região. De acordo com o que aponta o pesquisador Alfredo Homma, a razão principal da criação do IAN estava relacionada ao desenvolvimento de pesquisa com a seringueira para garantir a oferta de borracha. “O mundo vivia o temor da II Guerra Mundial que se concretizou em 01º de setembro de 1939, com as tropas alemães invadindo a Polônia, e depois as tropas japonesas atacaram a base naval americana em Pearl Harbour, em 07 de dezembro de 1941, e privando as tropas aliadas do suprimento de borracha, quinino, juta e outros produtos”, contextualiza. “No contexto regional havia uma incipiente agricultura de “toco” baseada na derruba e queima, escassez de farinha de mandioca, carne bovina, café, trigo, açúcar, leite, arroz, baixo consumo de hortaliças, entre outros produtos”.

Diante do cenário, o que se via no Estado era uma corrida para adquirir farinha quando chegavam os caminhões da Zona Bragantina e carne bovina trazida, de aviões, de Goiás, entre outros exemplos. “Até a década de 1960 a economia amazônica era totalmente dependente da coleta extrativa da borracha, castanha, pau rosa, madeira, pirarucu, etc. Era inaugurada a Rodovia Transamazônica em 1972 e a Amazônia era o fluxo de destino de migrantes na busca de sonhos e esperanças”.

Após o desenvolvimento da pesquisa agropecuária na região, com o marco fundamental da criação da Embrapa, o que se observa são avanços destacados e que geram frutos até os dias atuais. “Fizemos uma grande aventura na domesticação de plantas amazônicas como a seringueira, guaranazeiro, cupuaçuzeiro, açaizeiro, pupunheira, castanheira, madeira, entre os principais”, enumera Alfredo Homma. “Isto permitiu ampliar a oferta, com produtividade superior ao extrativismo, com menor preço e qualidade”.

Alfredo Homma, pesquisador |Divulgação

O pesquisador destaca, ainda, a domesticação de alguns peixes amazônicos, proporcionando o seu criatório; grandes avanços econômicos na agricultura, mas, também, custos sociais e ambientais. “Mato Grosso tornou-se na maior produtora nacional de soja, milho, algodão, pecuária bovina, caupi; Pará na maior produtora de mandioca, cacau, dendê, abacaxi, açaí, bubalinos; Rondônia no maior criador de peixes nativos, segundo de café conilon; Tocantins no terceiro produtor de arroz. Isto sem falar em outros produtos que ficam entre a segunda a quinta posição”, considera o pesquisador, sem deixar de falar dos desafios ainda impostos. “Saímos de um desmatamento de 15 milhões de hectares (3%) para mais de 82 milhões (19%), temos 761 mil pequenos produtores (83% do universo de produtores) na Amazônia Legal, dos quais mais da metade pratica agricultura de “toco”, baixa produtividade, depende de transferências governamentais, reduzida assistência técnica, creditícia e oferta de tecnologia, entre outros. Precisamos fazer uma nova agricultura sem desmatamentos e queimadas, reduzir a heterogeneidade tecnológica, recuperar o passivo ambiental das áreas que não deveriam ter sido desmatadas e tenha preço e mercado e, que consiga evolucionar com o progresso da região”.

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