A COP 30 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) em Belém é menos sobre se a cidade vai ter hotel e transporte, em 2025, e mais sobre uma articulação que pode orientar os rumos do desenvolvimento regional – que é historicamente pautado na exploração dos recursos da floresta de forma predatória, na escravização das populações amazônidas e na espoliação dos sentidos e modos de vida dos povos da minha terra e claro, numa consequente e danosa concentração de capital. Isso tudo está no bojo dos rumos também do desenvolvimento econômico global.
As desigualdades sociais advindas desse cenário a gente sabe, e olha só… até mesmo não ter infraestrutura adequada tem a ver com isso – a capital figura na 7ª posição no ranking das cidades com o pior saneamento básico do país (Instituto Trata Brasil, 2023). Mas quero ir além, como já mencionei: tem a ver também com o assassinato de Chico Mendes, Dorothy Stang, Bruno e Dom; e pra falar de um fato recente: o ataque ao cacique Lúcio Tembé, vítima de uma tentativa de homicídio com uma bala na cabeça, em Tomé-Açú, no Pará.
Há muitos e muitos anos, a Amazônia é esse território invadido, violado, explorado, dominado. Nosso povo morre. A diversidade sociocultural e biológica está ameaçada – denúncias são feitas e estão muito bem espalhadas nos quatro cantos do mundo. O desmatamento na Amazônia – tópico que tem destaque máximo nesse soprar dos ventos noticiosos – explodiu, avançou a recordes históricos no governo Bolsonaro, agora recua no governo Lula. Mas, um grave problema ocorre: o desmatamento explode no bioma vizinho, o bioma do coração do Brasil, o Cerrado – o berço das águas do país, aumento de 21% no primeiro semestre de 2023, em relação a esse período do ano passado (Deter/Inpe).
E sabe por que o mundo inteiro fica de olho e financia os estudos sobre a Amazônia? Pois olham pra cá com cifras nas retinas, tudo é ativo econômico. De outro lado, jorram recursos com a pretensão de salvá-la. Nós, amazônidas, vivemos e sabemos: estamos numa fronteira de desenvolvimento econômico, mas agora o aviamento[1] tem outros nomes. E é a partir dessa concepção que tantas outras se desdobram. Uma delas é justamente a questão climática, a questão da qual a COP trata. Mas há alguns anos, a conferência também tem sido palco para a correlação entre clima e justiça social.
Por isso cito os assassinatos e o desmatamento, e gostaria também de falar mais sobre o avanço sem precedentes dos crimes ambientais, de forma acelerada, articulada inclusive com grupos de narcotraficantes. Mas aqui não cabe, o buraco é mais embaixo.
E por que o principal fórum de discussão global sobre clima será em Belém? Porque houve uma incentivada e acentuada dinâmica de ocupação territorial na Amazônia que gerou consequências diretas para a mudança do clima, colocando a região no centro do debate sobre a emissão de gases do efeito estufa – o que aumenta a temperatura do mundo. O aumento da temperatura já vem causando desastres ambientais e colocando em sofrimento populações vulneráveis.
Amazônia no centro do debate da crise climática: qual a nossa parte nesse problema?
A nossa parte é justamente o desmatamento no país – para pasto, plantação de soja e outros usos do solo, principalmente na Amazônia -, a principal causa apontada para o segundo maior índice de emissão de gases do efeito estufa em quase duas décadas no país, no ano de 2021. Foi o ano em que o volume cresceu 12,5%, chegando a 2,4 bilhões de toneladas brutas, inferior apenas ao registrado em 2003, quando subiu 20%.
O dado foi divulgado em março deste ano pelo Observatório do Clima e pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), junto a outras entidades. Naquele ano, em 2021, o meu estado, o Pará liderou o ranking do volume de gases desprendidos na atmosfera no Brasil, com 18,5% do total de emissões brutas. Logo após veio o Mato Grosso, com 11,1%. Segundo o Ipam, de 2020 para 2021, o total de CO2 equivalente (GtCO2e) que afetou os biomas brasileiros passou de 1 bilhão para 1,19 bilhão de toneladas brutas.
De acordo com o Ipam, “a maior parte das emissões brutas (92%) é causada por alterações de uso da terra, que em sua maioria consistem no desmatamento do bioma Amazônia, que concentram 77% (911 MtCO2e) das emissões brutas do setor em 2021.”
A ordem das informações neste texto não foi despropositada. Existe uma consequência desses dados que é exatamente a morte de lideranças indígenas, quilombolas, extrativistas, de ambientalistas e defensores dos direitos humanos – que estão na linha de frente na luta em defesa da AMAZÔNIA VIVA e em defesa de suas próprias vidas.
Fontes:
LOUREIRO,Violeta R. Amazônia no século XXI: novas formas de desenvolvimento. São Paulo: Empório do Livro, 2009.
COSTA, Francisco de Assis. Elementos para uma economia política da Amazônia: historicidade, territorialidade, diversidade, sustentabilidade / Francisco de Assis Costa. – Belém: NAEA, 2012.
ARAMBURU, Mikel. Aviamento, Modernidade e Pós – Modernidade no Interior Amazônico. Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 25 junho,1994.
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1* “O aviamento, termo cunhado na Amazônia, é um sistema de adiantamento de mercadorias a crédito. Começou a ser usado na região na época colonial, mas foi no ciclo da borracha que se consolidou como sistema de comercialização e se constituiu em senha de identidade da sociedade amazônica.” Fonte: ARAMBURU, Mikel. Aviamento, Modernidade e Pós – Modernidade no Interior Amazônico. Revista Brasileira de Ciências Sociais nº 25 junho,1994.
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