Em 2022, os diretores executivos (CEOs) mais bem pagos receberam aumentos de 9% em seus salários, ao mesmo tempo que trabalhadores e trabalhadoras viram os valores dos contracheques caírem, em média, 3,19%. Em relatório divulgado hoje (30), a Oxfam (Comitê de Oxford para Alívio da Fome) destaca, ainda, que, no Brasil, a queda dos proventos foi maior, de 6,9%, e que, na outra ponta, acionistas de empresas tiveram um incremento de 23,8% (US$ 27,3 bilhões), de modo que acumularam US$ 33,8 bilhões.
No caso da Suécia, a balança pendeu ainda mais para os privilegiados. Lá, a redução da remuneração da classe trabalhadora foi de 10%. Estados Unidos e Reino Unido igualaram-se, com uma porcentagem de 3,2%, mas têm diferenças quanto aos mais abastados. No caso dos EUA, os 100 principais CEOs ganharam US$ 24 milhões, em média, no ano passado, quantia 15% maior do que a registrada em 2021. No grupo insular, o montante foi de US$ 5 milhões, ficando 4,4% acima do atingido no ano anterior.
Tais cifras, para efeito de comparação, mostram que um trabalhador dos Estados Unidos teria que se manter em atividade durante 413 anos para conquistar o que o CEO no topo da cadeia recebe em um ano. No que diz respeito ao Reino Unido, o que se nota é que os presidentes de companhias ganham o equivalente a 140 vezes o valor do salário médio dos assalariados.
A organização não governamental adotou como referência dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para fazer os cálculos. Uma das constatações, que instigam a se pensar no contexto de desigualdades sociais, é o corte médio de US$ 685 na conta de um bilhão de trabalhadores de 50 países, que acabaria significando uma perda coletiva de US$ 746 bilhões em salários reais, caso os salários tivessem sido reajustados pela inflação.
Na África do Sul, a ostentação dos CEOs não foi tanta, mas a disparidade entre o que eles e os trabalhadores da base embolsaram também é expressiva. Os executivos ampliaram em 13% os salários, somando US$ 800 mil, em média, ao fim de 2022, o que correspondeu a 43 vezes o salário médio dos trabalhadores.
Outro dado que ajuda compreender a dinâmica socioeconômica do país africano concerne aos títulos e ações de empresas. O 1% mais rico concentra 95% dos papéis, proporção que cai para 54% nos Estados Unidos.
Outra informação do relatório diz respeito aos dividendos pagos a acionistas, que alcançaram patamar recorde, após alta de 10%. O total foi de US$ 1,56 trilhão, conforme menciona o documento da Oxfam, que também compilou informações sobre a condição das mulheres na base do mercado de trabalho.
A conclusão é de que a jornada mensal de mulheres e meninas tem, pelo menos, 380 bilhões de horas de atividades de cuidado não remuneradas, o que prova que certos estereótipos de gênero, como a função de se responsabilizar, de forma central, pela criação dos filhos, ainda pesam sobre elas. Com frequência, assinala a Oxfam, trabalhadoras acabam encurtando seus expedientes ou mesmo abandonam os empregos por causa dessas atividades. Além disso, também enfrentam discriminação, assédio e recebem salários mais baixos do que os homens.
Um exemplo que ilustra a forma como o mercado de trabalho trata as trabalhadoras é o dos Estados Unidos. Metade das mulheres negras de lá recebe menos de US$ 15 por hora, em troca de sua força de trabalho.
O coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam, Jefferson Nascimento, complementa as colocações da entidade com um dado relacionado ao assunto, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em março deste ano. Segundo o órgão, as trabalhadoras do país recebem um salário 22% menor do que os trabalhadores do gênero masculino.
“Até a pandemia, até 2020, havia uma tendência de diminuição da diferença de remuneração entre homens e mulheres, que foi revertida. Tem vários fatores por trás disso. A maior parte do desemprego é de mulheres, a maior taxa de trabalhadores informais é entre mulheres. A gente sabe que o trabalho informal paga, em média, menos do que o trabalho formalizado. Então, de alguma maneira, a precarização do trabalho, esses instrumentos que a incentivam, como a reforma trabalhista de 2017, criaram as condições para que houvesse esse aumento de diferença”, diz Jefferson.
Uma das direções apontadas pela Oxfam como solução para os problemas elencados no relatório é tributar devida e proporcionalmente a parcela mais rica em todos os países. A ONG lembra, por exemplo, que os impostos sobre a renda de dividendos e ações caíram de 61%, em 1980, para 42% na atualidade, um dado relevante para a discussão, já que é a partir da cobrança desses encargos que se pode ampliar as verbas públicas em áreas como saúde e educação.
O coordenador da Oxfam, observa que, no Brasil, os acionistas receberam, em 2022, cerca de US$ 34 bilhões, que é quase um terço do que todos os países emergentes distribuíram em dividendos no período. E também se aproxima do valor referente ao que trabalhadoras e trabalhadores do país tiveram em cortes de salários.
Para Jefferson, essa margem de lucro entregue aos acionistas deve ser uma das partes que compõem a discussão em torno da reforma tributária, tendo em vista a possibilidade de contrapartida à sociedade que se pode abrir. Ele explica que, no Brasil, a obrigação não se aplica à pessoa física e salienta que a medida já conta com aprovação de ampla parcela da população.
“É um tema que se conecta com esse debate que está se tendo no Brasil, nesse momento, no âmbito da reforma tributária. A gente está debatendo no Congresso Nacional, focando, principalmente agora, no imposto sobre o consumo. Mas, em um segundo momento, e isso tem sido dito no Congresso, se pretende trabalhar com reforma do imposto sobre bens e patrimônio, e é fundamental falar também sobre o retorno da tributação sobre lucros e dividendos”, diz.
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