Até sete anos atrás, a empresária paulista Cristina (sobrenome oculto, a pedido), 39, sentia vergonha na hora do sexo.Os pequenos lábios da vagina superavam um pouco os grandes e o que via como excesso “sempre incomodava”.
“Eu tinha vergonha na relação, principalmente no primeiro encontro”, diz. Também ficava arrumando a pele no banho, colocando para dentro com a mão.
Isso fez com que ela se somasse às milhares de brasileiras que reduziram os pequenos lábios por meio de cirurgia. A operação, chamada labioplastia ou ninfoplastia, é a cirurgia íntima mais procurada no país, campeão no mundo em número de procedimentos.
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Algumas mulheres, como Cristina, e pesquisadores na área afirmam que há benefícios. Uma hipótese pouco discutida, entretanto, é a dos riscos envolvidos. Zonas próximas, incluindo o clitóris, podem ser atingidas por meio da sua irrigação sanguínea e da inervação sensorial de prazer. Entre os potenciais efeitos, nesses casos, estão a perda da sensibilidade ao toque e a diminuição da capacidade de orgasmo – embora sejam considerados raros.
“Existe uma taxa média de complicações de mais ou menos 5% nas cirurgias íntimas”, diz Tatiana Turini da Cunha, cirurgiã plástica e membro da SBPC (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica), com base em estudos científicos.
Hematomas temporários, hipersensibilidade, cicatrizes, infecção, dor no sexo, pontos que eventualmente se abrem ou perda de sensibilidade são exemplos estatísticos do que os procedimentos podem causar.
“A queixa mais comum das pacientes, quando elas vêm de outros cirurgiões já operadas, é que os pequenos lábios ainda estão grandes, assimétricos ou tiveram o amputamento, [ocorreu] a retirada muito grande do pequeno lábio”, afirma.
A chance de diminuição de sensibilidade seria pequena porque a ninfoplastia deve, tecnicamente, ser superficial e preservar a estrutura nervosa. Incisões que retiram toda a borda da região são as que podem causar complicações.
Relatos online identificados pela Folha mesclam benefícios de labioplastias e outros procedimentos com queixas sobre consequências de lesões inesperadas no clitóris.
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Paula (nome fictício) afirma que teve o órgão atingido e se diz desolada com o que chama de “perda geral da sensibilidade na área”. Outra internatura enfatiza que se arrepende todos os dias de ter retirado o excesso dos pequenos lábios. “Além de ter ficado com a vulva muito mais feia, não consigo mais ter orgasmo. Perdi toda a sensibilidade do clitóris”, relata.
“Pequenos lábios extirpados” e “clitóris removidos” são usados por uma terceira mulher para descrever os resultados da cirurgia que fez. O prazer, segundo ela, diminuiu. E quando está chegando ao orgasmo, a sensação agora é “super leve”.
Em um caso que chegou à Justiça, foi confirmado que restaram apenas “resquícios” dos pequenos lábios após o procedimento, além de uma fissura incorrigível no clitóris. Em outra ação, um juiz fala em “mutilação do clitóris e dos grandes lábios vulvares”, com “comprometimento da vida sexual da mulher”, além de “dor moral de gravidade alta e abalos psicológicos”.
Os especialistas ouvidos pela reportagem não analisaram particularidades dos depoimentos por desconhecerem variáveis que podem conspirar a favor ou contra: em quais circunstâncias as cirurgias foram realizadas, qual a experiência dos profissionais envolvidos, a técnica escolhida e aspectos relacionados ao psiquê das pacientes.
Só em 2020, 20,3 mil labioplastias foram realizadas no Brasil. Desde 2014 foram quase 143 mil, o que representa uma taxa de crescimento de 3,6% ao ano, apesar de um baque temporário com a pandemia.
Os números, calculados a partir de dados da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética não incluem cirurgias com ginecologistas e urologistas.
Quando Cristina decidiu realizar o procedimento, ouviu de amigas e da ginecologista sobre o risco de perder a sensibilidade.”Eu fiquei com um pouquinho de medo. Mas um pouco só porque o médico que fez a cirurgia era muito conceituado e me disse que não chegaria nem perto da área onde sinto o prazer. Ele falou que o tanto que ia cortar era tão simbólico que não ia alterar a questão de ter ou não orgasmo e não alterou mesmo”.
Especialistas orientam que apoio e discussões com profissionais sobre benefícios e riscos antes de qualquer cirurgia são fundamentais.
Lucia Alves Silva Lara, professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e presidente da Comissão Nacional de Sexologia da Febrasgo (Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia), diz que caso ocorra alguma complicação, uma microcirurgia pode ajudar a restaurar a função. “Mas é uma cirurgia complexa, cara e a gente não tem esse recurso no dia a dia no Brasil”, afirma.
Feita com a técnica adequada, acrescenta, a ninfoplastia não altera o prazer nem para melhor nem para pior. E se pode levar à redução ou dificuldade de orgasmo ainda não está comprovado em trabalhos científicos.
“Na cirurgia do clitóris é mais oportuno de acontecer devido ao trajeto dorsal da inervação do órgão. Porém, não há dados quanto à prevalência dessa complicação”, observa Lara.
A perda de sensibilidade no órgão do prazer feminino, quando acontece, pode ser temporária ou definitiva, aponta Ubirajara Barroso Júnior, diretor da Escola Superior de Urologia da Sociedade Brasileira de Urologia e especialista em reconstrução genital.
A intervenção direta mais realizada na área e uma das que trazem risco é a redução do clitóris crescido por clitoromegalia congênita, quando há aumento da testosterona pelo próprio corpo ou por uso de anabolizantes.
“Um clitóris aumentado pode fazer com que mulheres deixem de ir à praia para não usar roupa de banho ou que deixem de ter relações sexuais por vergonha do órgão que, excitado, pode parecer um pênis”, diz o especialista.
Na cirurgia mais realizada, há necessidade de separação dos nervos e vasos que nutrem a região com a retirada dos corpos cavernosos, isto é, o tecido que se enche de sangue e entra em ereção quando há excitação sexual.
“Por isso algumas mulheres se queixam de perda de sensibilidade e redução do prazer com esse procedimento, que eu não faço”, pontua. “Alguém que realize a cirurgia na região e não tenha amplo conhecimento dessa anatomia pode levar ao risco, inclusive, de perda do órgão.”
O médico afirma que técnicas mais novas, como a corporoplastia, que desenvolveu com a equipe no Brasil e que já chegou ao SUS (Sistema Único de Saúde), permitem a realização de procedimentos na área sem mexer nos nervos e nos corpos cavernosos, reduzindo esses riscos.
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