A Polícia Civil de São Paulo investiga o suposto reaproveitamento de material hospitalar descartável para realização de exames de endoscopia no Hospital Municipal Integrado Santo Amaro, na zona sul da capital.
O caso se tornou alvo de um inquérito policial na 2ª Delegacia da Divisão de Investigações sobre Infrações contra a Saúde Pública a pedido do Ministério Público e da própria Secretaria Municipal da Saúde.
A organização responsável pela administração do hospital e a empresa contratada por ela para efetuar os procedimentos negam irregularidades.
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A suposta reutilização de pinças para biópsia de endoscopia aparece em um relatório da Divisão de Auditoria da Secretaria Municipal da Saúde, que integra o SNA (Sistema Nacional de Auditoria), do SUS (Sistema Nacional de Saúde), que também aponta outras suspeitas de irregularidades no hospital.
A auditoria partiu de uma denúncia anônima recebida pelo Ministério Público, em março passado, de reaproveitamento de material hospitalar que deveria ser descartado.
O Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) abriu uma sindicância após vistoriar o hospital, em 8 de março, a pedido da Promotoria. O resultado não foi informado pela entidade, sob alegação de sigilo.
Entretanto, a Promotoria de Direitos Humanos da Capital diz que o conselho médico confirmou no local a situação, o que motivou então a abertura de inquérito policial.
A auditoria interna foi realizada em maio e em apenas um dos itens investigados acatou as justificativas da Coordenação Regional de Saúde Sul, órgão da secretaria municipal, e da organização social de saúde INTS (Instituto Nacional de Tecnologia em Saúde), administradora do hospital.
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Além de pendências burocráticas, como irregularidades em registro no Cremesp e falta de alvarás sanitários e do Corpo de Bombeiros, há problemas contratuais e de procedimentos médicos.
Em um dos pontos, o relatório diz que a quantidade de pinças compradas para a realização de biópsia para endoscopia (3.085 unidades) é incompatível com o total de 19.602 exames realizados entre novembro de 2020 e março de 2022.
“Levando em conta o número de pinças compradas, observa-se um déficit de 16.517 pinças para biopsia, o que sugere a provável reutilização em 84% dos exames auditados e realizados com uso de pinças”, afirma o documento.
A equipe de auditores diz ter consultado no site da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) os manuais dos três fornecedores contratados pelo hospital, de acordo com notas fiscais analisadas, e que em todos consta que o instrumento é de “uso único”.
“Em nenhum dos referidos manuais consta orientações e sugestões sobre reutilização das pinças para biopsia”, afirma a auditoria.
O documento também diz que há a informação “de que são estéreis, vêm em embalagens lacradas, e se as embalagens estiverem violadas devem ser descartadas, e com lembrete de que não devem ser reutilizadas”.
Na sua justificativa, que não foi aceita pela auditoria, o INTS diz no documento que a One Laudos, terceirizada contratada para os serviços de endoscopia no hospital na época, aponta uma resolução da Anvisa que cita uma lista com 65 produtos médicos de uso único e em cujos rótulos é preciso constar o termo “proibido reprocessar”.
“Como consectário lógico, os produtos que não constam na mencionada lista podem ser reutilizados. É o caso das pinças de biópsias utilizadas para os procedimentos de endoscopia”, afirma.
A médica Ana Zuccaro, presidente do da Comissão de Ética e Defesa Profissional da Sobed (Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva), afirma que existem dois tipos de pinças para biópsias: a de uso único, com materiais que não suportam a esterilização; e a permanente, que pode ser reaproveitada após higienização.
Segundo ela, o reaproveitamento da pinça descartável resulta em risco de contaminação pelo paciente. “É para jogar fora”, afirma. A diferença de preço entre elas pode ser superior a dez vezes.
Em nota à Folha, a Anvisa diz entre os produtos regularizados realmente há pinças passíveis de reúso e descartáveis, de acordo com a determinação do fabricante descrita nas instruções de uso e rótulo de cada produto.
Também afirma que caso no rótulo esteja a indicação “o fabricante recomenda uso único”, a referência é para uma pinça que pode ser reprocessada, “apesar de o produtor não recomendar a prática”.
“Se for um produto com a indicação de ‘proibido reprocessar’, em hipótese alguma este produto pode ser reprocessado e reutilizado pelos serviços de saúde”, completa a agência.
O que dizem a prefeitura e as entidades A Secretaria Municipal da Saúde diz que, tão logo foi comunicada da denúncia anônima recebida pelo Ministério Público, determinou ao hospital a imediata suspensão das “práticas inadequadas, principalmente no que se refere à realização de exames de endoscopia”.
A pasta ainda afirma que encaminhou formalmente o caso à Polícia Civil, além de ter instaurado a auditoria interna.”Como um dos resultados da auditoria instaurada pela secretaria, a gestão municipal notificou o INTS a afastar a empresa One Laudos e a devolver aos cofres públicos os valores relativos aos exames”, diz nota da pasta, que não especifica valores.O instituto afirma que desde março todas as pinças para exames de endoscopia são descartadas após uso único.”Não há registro de complicação com paciente que passou pelo exame no período anterior”, diz a organização social, repetindo seguimento de normas da Anvisa explicadas à auditoria no reprocessamento dos materiais.
Em nota, a One Laudos diz que prestou serviços no hospital entre novembro de 2020 e março passado e que o contrato foi encerrado. Também declarou não ter sido intimada a prestar esclarecimentos pela secretaria ou pelo Ministério Público.”O modelo de pinça adquirido pela One Laudos, a pedido do INTS, e utilizado nos procedimentos de endoscopia realizados no HISA [Hospital Municipal Integrado Santo Amaro], não consta da lista de produtos de reprocessamento proibido da Anvisa”, acrescentou.
“Cabe destacar que Sociedade Brasileira de Endoscopia apontou no Parecer n° 02/2020 da ‘Comissão de Ética e Defesa Profissional’ que as pinças utilizadas no procedimento de endoscopia não devem obrigatoriamente ser descartadas, podendo ser reprocessadas”, completa.
Exames não regulados
A auditoria também apontou que o número de exames realizados durante o período auditado –de novembro de 2020 a março de 2022– é superior ao recomendado pela Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva e que foi constatada a realização de 198 endoscopias não reguladas pela Regional Sul.
Em outro trecho, aponta que exames de colonoscopia só começaram a ser realizados no hospital em setembro do ano passado, apesar de constar em termo aditivo contratual de que a previsão era para início de 2020.
O Hospital Municipal Integrado Santo Amaro foi inaugurado em 5 de novembro de 2020.
O Conselho Gestor do hospital, formado quatro meses após a denúncia ao Ministério Público, aguarda informações sobre o caso solicitadas à Vigilância Sanitária.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, a polícia está notificando as partes para a realização de oitivas e que diligências estão em andamento.
A Promotoria espera decisão administrativa da Secretaria Municipal da Saúde sobre as penalidades a serem aplicadas.A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diz que foram adotadas medidas quanto aos demais apontamentos concluídos pela auditoria, como providências para a correção de processos administrativos pelo INTS e a regularização da documentação do imóvel.
O texto não informa se a situação dos pacientes atendidos com material suspeito está sendo investigada.A pasta diz que controla e fiscaliza permanentemente os serviços realizados e a prestação de contas das organizações e aplica penalidades por descumprimento de metas.
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