As fraudes começaram a ser identificadas graças ao aperto da fiscalização, pelo novo governo, a partir de 2019. Mas o trabalho ganhou impulso com o pente-fino que o instituto vem realizando em todos os seus 51 mil processos de aposentadorias e pensões. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), possíveis irregularidades no pagamento de benefícios teriam gerado um rombo superior a R$ 252 milhões no Igeprev, entre 2010 e 2018. Mais de 40 técnicos trabalham na auditagem, que deve terminar em maio do ano que vem.
Os indícios de irregularidades envolvem incorporações ilegais de gratificações e adicionais aos proventos de aposentados, além de supostos erros nos cálculos de progressões de carreira e de reajustes de pensões por morte, turbinadas para muito além do devido. No entanto, o pagamento de “fantasmas” é o grupo mais expressivo: os mais de 1.200 descobertos já somam quase R$ 47,5 milhões, ou 52% do total. Fontes disseram ao DIÁRIO que apenas os 10 “fantasmas” que mais receberam recursos somam quase R$ 6,8 milhões. O maior volume de pagamentos (R$ 1,610 milhão) foi realizado em nome da viúva de um oficial da Polícia Militar: ela morreu em abril de 2015, mas a sua pensão só foi suspensa em janeiro de 2018.
Na época, o Ministério Público de Contas (MPC) investigava várias irregularidades no Igeprev, entre as quais pensões acima do limite constitucional. A pensão da viúva era de R$ 45.101,23, ou R$ 11 mil acima do limite. Mas o que não se sabia é que ela já estava até morta. Só no ano passado, com a constatação desse fato, é que o Igeprev denunciou o caso ao Ministério Público Estadual (MP-PA) e à Diretoria de Combate à Corrupção (DECOR), da Polícia Civil.
No primeiro relatório do pente-fino, divulgado em agosto último, foram identificados mais de R$ 12 milhões em pagamentos indevidos. No segundo, divulgado em outubro, outros R$ 18,5 milhões. Eles vieram se somar aos R$ 41 milhões em pagamentos a “fantasmas”, que o Igeprev já havia cancelado, entre 2019 e este ano; e aos mais de R$ 5,7 milhões de abonos irregulares a militares, também suspensos. O mais recente relatório, divulgado no final do mês passado, aponta R$ 14,227 milhões em irregularidades, entre os 4.814 processos analisados, de 22 de outubro a 17 de novembro.
Só nele, constam mais 135 “fantasmas”, que receberam R$ 2,097 milhões. Mas embora haja pessoas que faleceram entre 2015 e o ano passado, a maioria morreu neste ano: um total de 103, cujos pagamentos somaram R$ 670 mil. O fato indica maior agilidade na constatação dos óbitos, o que reduz a duração das irregularidades e os recursos desviados: no ranking dos 10 maiores “fantasmas”, que foi elaborado no início do pente-fino, há casos de pessoas que morreram em 2012 ou 2013, cujos pagamentos só foram suspensos em 2019. E o décimo lugar daquele ranking recebeu, sozinho, quase R$ 444 mil.
No entanto, o maior volume de irregularidades do novo relatório é o de pensões por morte reajustadas acima do devido: são 143 casos, que custaram aos cofres públicos R$ 3,737 milhões, apenas entre maio de 2016 e maio de 2021, o período analisado. Segundo fontes, trata-se de um dano ao erário de difícil reparação, já que será preciso comprovar, judicialmente, a má-fé dos beneficiários, para obter a devolução desse dinheiro. Só um deles teria recebido R$ 350 mil por conta de reajustes turbinados da pensão. E há, ainda, outros 27 casos cujos pagamentos irregulares ultrapassam R$ 100 mil. No relatório anterior, esses gastos chegaram a R$ 7,773 milhões. Em um dos casos, a pensão, concedida em 2006, que deveria estar hoje em R$ 5.935,79, já alcança R$ 8.383,43.
O novo relatório aponta, ainda, possíveis erros de cálculo, e até ilegalidade, em adicionais por tempo de serviço e incorporações de verbas oriundas de cargos comissionados, que resultaram em R$ 3,274 milhões em pagamentos. Há, também, R$ 1,581 milhão em contribuições previdenciárias pagas a menor, e 155 processos onde os percentuais das rubricas listadas nas portarias de concessão dos benefícios diferem daqueles encontrados nos históricos dos servidores. O fato teria gerado R$ 3,536 milhões em pagamentos irregulares.
Segundo o advogado Giussepp Mendes, ex-auditor geral do Estado e que preside o Igeprev desde o ano passado, várias recomendações da equipe que realiza a auditagem já foram adotadas pelo instituto, para melhorar o controle de pagamentos. Ao fim e ao cabo, o que se pretende é “elevar a qualidade da gestão para garantir transparência e segurança e cumprir as exigências legais”, diz ele. Além do pente-fino, o Igeprev realiza o Censo Previdenciário, que será encerrado em março do ano que vem.
As duas medidas ajudarão a atualizar o banco de dados do instituto, dificultando as fraudes, corrigindo distorções e evitando pagamentos ilegais. Giussepp assinala que o combate a esses problemas é fundamental para a saúde financeira do sistema previdenciário, do qual dependem milhares de famílias, e até para garantir direitos corriqueiros dos segurados. No último relatório do pente-fino, por exemplo, foram identificados R$ 837 mil em benefícios abaixo do devido, em decorrência da falta de atualização do soldo de militares e de compensações previdenciárias que não foram requisitadas. Com a descoberta, o instituto já vem tomando as medidas necessárias para que essas pessoas recebam aquilo a que têm direito.
O alerta sobre as irregularidades no Igeprev partiu do Ministério Público de Contas (MPC), ainda em 2018, o último ano da administração do ex-governador Simão Jatene. Mas só a partir de 2019, com o governo sob nova direção, é que o problema começou a ser realmente enfrentado. E isso não apenas através de um pente-fino e do Censo Previdenciário, mas, também, do ajuizamento de dezenas de processos, para reaver o dinheiro pago indevidamente, e do encaminhamento de casos que caracterizam crime (como o pagamento de “fantasmas”), à polícia e ao MP-PA.
Quem iniciou as investigações, que levaram à descoberta de prejuízos de R$ 252 milhões para o Igeprev, apenas entre 2010 e 2018, foi o procurador do MPC Guilherme da Costa Sperry, hoje Procurador Geral de Contas do Pará. Ao analisar as pensões deixadas por um servidor público, para a viúva e o filho do casal, Sperry descobriu que o rapaz continuou a receber a pensão mesmo depois de atingir a maioridade, e que a pensão da viúva continuou a ser paga até outubro de 2012, apesar de ela ter morrido em abril de 2007.
Na época, as pensões por morte somavam R$ 34,6 milhões e beneficiavam mais de 10 mil pessoas. E as explicações do instituto aumentaram a desconfiança de Sperry sobre irregularidades semelhantes. É que o Igeprev disse que o sistema de gerenciamento não suportava a carga automática registrada no sistema de óbitos. Além disso, alguns cartórios descumpriam a Lei e não atualizavam as informações. Para completar, o controle de centenas ou milhares de falecimentos havia sido realizado manualmente pelo instituto, entre abril de 2009 e dezembro de 2014.
Com o avanço das investigações, Sperry encontrou indícios de várias irregularidades, como o pagamento de pensões acima do limite constitucional. Assim, ele protocolou uma Representação no TCE, em fevereiro de 2018, pedindo uma inspeção extraordinária no Igeprev. Com isso, os técnicos do TCE acabaram se deparando com esse provável prejuízo de R$ 252 milhões, entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2018, mais da metade (R$ 135,5 milhões) decorrente de benefícios acima do limite constitucional.
Em abril do ano passado, o TCE julgou procedente a Representação de Sperry e determinou ao Igeprev um conjunto de medidas para colocar ordem na casa. Mas já naquela época, relata Giussepp Mendes, a melhoria da fiscalização pelo novo governo já havia detectado 350 possíveis fraudes previdenciárias. “Mesmo antes do julgamento do TCE, já vínhamos adotando medidas para combater esses problemas. Além disso, encaminhamos todas as irregularidades identificadas ao MP-PA e à DECOR, para a apuração até mesmo de possíveis organizações criminosas”, afirma.
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