Um aumento de ações judiciais por perdas, danos, invalidez e morte referentes a acidentes de trânsito tende a ser um dos primeiros efeitos da extinção do Seguro Contra Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT). Esse reflexo é uma das repercussões que a edição da Medida Provisória (MP) 904, assinada na segunda-feira (11/11) pelo presidente Jair Bolsonaro, pode trazer de imediato, com a abolição do chamado seguro obrigatório de automóveis a partir de 1º de janeiro de 2020, segundo avaliação da advogada especialista em direito de trânsito Luciana Mascarenhas. “Muitas pessoas mais humildes, ao se envolverem em acidentes recorriam apenas ao DPVAT, em vez de acionar os causadores dos acidentes. Isso, agora, poderá mudar”, avalia.
Segundo a Seguradora Líder, gestora do sistema, o seguro obrigatório é a única garantia de reparação para vítimas de acidentes automobilísticos, especialmente para a população pobre, já que apenas 20% da frota brasileira tem seguros particulares. Já o Executivo federal sustenta que o INSS garante auxílios para invalidez e morte, enquanto o Sistema Único de Saúde (SUS) provê a assistência hospitalar necessária para acidentados.
Para a advogada especializada, outro reflexo será que as partes responsáveis judicialmente pelos acidentes terão de arcar com os custos totais dos sinistros de trânsito. “No modelo vigente com o DPVAT, o seguro era arrecadado pelo Estado, que pagava aos acidentados e vítimas. Isso nunca impediu que os culpados arcassem com indenizações e custos, mas esses valores tinham abatimento pelos recursos conseguidos via DPVAT”, observa Mascarenhas.
O advogado André Soares, presidente da Comissão de Direito Securitário da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (OAB/MG), diz que é preciso aguardar para verificar se haverá maior judicialização das causas depois da extinção do seguro obrigatório. Porém, ele pondera que, mesmo com a vigência do DPVAT, parte dos casos já vai parar no Judiciário. Um indicativo de que esse número tende a aumentar na ausência desse sistema.
Soares lembra que as pessoas têm prazo de três anos para requisitar compensações. Isso significa que quem se envolveu em acidentes em 2017, 2018 e 2019 poderá solicitar a cobertura do DPVAT, uma vez que o sistema está em vigência nesse período. Ele lembra ainda que, antes de ir para o Judiciário, os conflitos gerados por acidentes podem ser revolvidos extrajudicialmente.
Acidentes ocorridos até 31 de dezembro e reclamados até 31 de dezembro de 2025 estarão cobertos pelo DPVAT
» A proteção é assegurada por morte (R$ 13.500), invalidez permanente (até R$ 13.500) e reembolso de despesas médicas e suplementares (até R$ 2.700)
» Para requisitar a indenização, o interessado ou família deve entrar no site da seguradora (www.seguradoralider.com.br) ou procurar uma agência na sua cidade
» É preciso preencher o formulário de requisição
» Em seguida, o interessado ou família deve reunir os documentos relativos ao acidente, como o Boletim de Ocorrência
» É necessária a identidade da vítima (ou CNH, carteira de trabalho, certidão de casamento, óbito ou de nascimento)
» Também devem ser reunidos recibos e notas com os gastos com saúde, receituários médicos, entre outros comprovantes
Fonte: Seguradora Líder
O fim do DPVAT terá de ser votado pelo Congresso em até 120 dias após a edição da MP 904, ou a medida perde seu valor. De acordo com o Executivo nacional, o Sistema Único de Saúde já proporciona atendimento às vítimas de acidentes, sendo o DPVAT um encargo desnecessário e oneroso, segundo recomendação do Tribunal de Contas da União (TCU).
O seguro foi previsto originalmente no Decreto-lei 73, de 1966, recepcionado pela nova ordem constitucional como lei complementar. A legislação prevê que todo cidadão acidentado no trânsito em território nacional, seja motorista, passageiro ou pedestre, tem direito ao benefício em caso de morte, invalidez e custos médicos.
O EM procurou a Seguradora Líder, que administra o DPVAT, mas não obteve um posicionamento sobre o fim do sistema. Mas, segundo dados da instituição, dos recursos arrecadados, 45% vão para o SUS, para custeio da assistência médico-hospitalar às vítimas de acidentes de trânsito, e 5% vão para o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), para investimento em programas de educação e prevenção de acidentes. Os outros 50% são identificados genericamente como direcionados para despesas, reservas e pagamento de indenizações às vítimas. Em 2018, a parcela destinada ao SUS totalizou R$ 2,1 bilhões; para o Denatran foram R$ 233,5 milhões. Nos últimos 11 anos, essa contribuição soma mais de R$ 37,1 bilhões, segundo a instituição.
Nos últimos 10 anos, mais de 4,5 milhões de pessoas foram atendidas em casos de morte, invalidez permanente e reembolso de despesas médicas. Nesse período, foram pagas mais de 485 mil indenizações do seguro obrigatório para familiares de acidentados que não sobreviveram. Em 2019, de janeiro a outubro foram 289.120 compensações pagas, sendo 34.018 por morte, 192.525 por invalidez permanente e 62.577 para reembolso de despesas médicas e suplementares. A motocicleta é o veículo responsável pela maior parte das ocorrências indenizadas e os jovens entre 18 e 34 anos representam a faixa etária mais atingida.
A extinção do DPVAT e do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Embarcações ou por suas Cargas (DPEM) foi instituída por meio da Medida Provisória 904, de 11 de novembro de 2019, que vigora a partir de 1º de janeiro de 2020. Em seu segundo artigo, o decreto determina que “o pagamento realizado até 31 de dezembro de 2025 das indenizações referentes a sinistros cobertos pelo DPVAT, ocorridos até 31 de dezembro de 2019, e de despesas a elas relacionadas, inclusive as administrativas, será feito pela Seguradora Líder do Consórcio do Seguro DPVAT S.A. ou por instituição que venha a assumir as suas obrigações”. Determina ainda que a partir de 1º de janeiro de 2026, a responsabilidade pelo pagamento das indenizações referentes a sinistros cobertos pelo sistema ocorridos até 31 de dezembro de 2019 e de despesas a eles relacionadas, inclusive as administrativas, passará a ser da União, que “sucederá ao responsável pelas obrigações e direitos nos processos judiciais em curso que tratem da indenização de sinistros cobertos pelo DPVAT”.
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